Deixou a água tocar-lhe os pés, depois cobrir os tornozelos
até chegar ao joelho. Pensou que cairia com a força da correnteza, mas a onda
já se recolhia para uma nova rodada após apenas um piscar de olhos. A
temperatura do oceano contrastava com o vento gelado que abatia seu corpo
molhado, causando arrepios involuntários, eriçando os pelos claros, enregelando
o coração. Coração sempre tão quente, tão vivo — agora se despedaçava a beira mar.
—
Que mania insuportável essa sua, de fugir durante as discussões.
A
voz de sua (já não mais tão sua) Anita vinha de longe, mas era clara como os
ocasionais relâmpagos que repartiam o céu.
—
Pensei que amasse todas as minhas manias. Mas parece-me que amor já não é mais
suficiente para ti.
—
E desde quando amor é suficiente? E desde quando ele não é? Por que foge quando
tento te explicar, quando tento te convencer que sua insegurança é infundada?
—
Porque sei que ela não é.
Virou-se
a contragosto, os braços ainda cruzados no peito em um semblante sério e
doloroso. Sentia que a perdi a cada palavra dita — isto é, se já não a perdera
completamente para o país do outro lado do oceano. Não conseguia, porém,
obrigar-se a parar. Estar na defensiva era seu modo de se proteger da dor.
Piada! Não conseguiria fugir da dor nem com altas doses de morfina.
—
Claro que é! — Aproximou-se com a expressão em súplica, desesperada por
aceitação. — Meu querido, ouça-me, é tudo que lhe peço.
—
Tenho escolha?
Ignorou-o.
—
Desde que me conheceu, sempre soube meu amor pelas artes. Lutei, tentei, me joguei
de cabeça. E meu esforço está sendo recompensado. Mas tenho você agora, e que
escolha mais complicada tinha a fazer! — Tinha? — Pois decidi, afinal, que de
nada me servem as artes, sem amor. E de nada me serve amor, sem as artes.
Portanto, te peço, te imploro: por favor... Venha comigo.
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