quarta-feira, 18 de abril de 2012

CH: Discussões e mar




Deixou a água tocar-lhe os pés, depois cobrir os tornozelos até chegar ao joelho. Pensou que cairia com a força da correnteza, mas a onda já se recolhia para uma nova rodada após apenas um piscar de olhos. A temperatura do oceano contrastava com o vento gelado que abatia seu corpo molhado, causando arrepios involuntários, eriçando os pelos claros, enregelando o coração. Coração sempre tão quente, tão vivo agora se despedaçava a beira mar.
— Que mania insuportável essa sua, de fugir durante as discussões.
A voz de sua (já não mais tão sua) Anita vinha de longe, mas era clara como os ocasionais relâmpagos que repartiam o céu.
— Pensei que amasse todas as minhas manias. Mas parece-me que amor já não é mais suficiente para ti.
— E desde quando amor é suficiente? E desde quando ele não é? Por que foge quando tento te explicar, quando tento te convencer que sua insegurança é infundada?
— Porque sei que ela não é.
Virou-se a contragosto, os braços ainda cruzados no peito em um semblante sério e doloroso. Sentia que a perdi a cada palavra dita — isto é, se já não a perdera completamente para o país do outro lado do oceano. Não conseguia, porém, obrigar-se a parar. Estar na defensiva era seu modo de se proteger da dor. Piada! Não conseguiria fugir da dor nem com altas doses de morfina.
— Claro que é! — Aproximou-se com a expressão em súplica, desesperada por aceitação. — Meu querido, ouça-me, é tudo que lhe peço.
— Tenho escolha?
Ignorou-o.
— Desde que me conheceu, sempre soube meu amor pelas artes. Lutei, tentei, me joguei de cabeça. E meu esforço está sendo recompensado. Mas tenho você agora, e que escolha mais complicada tinha a fazer! — Tinha? — Pois decidi, afinal, que de nada me servem as artes, sem amor. E de nada me serve amor, sem as artes. Portanto, te peço, te imploro: por favor... Venha comigo.

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